Discutir neutralidade em carbono na arquitetura não deveria pautar somente materiais locais e novas tecnologias, já que muitos são os aspectos que impactam na cadeia produtiva da construção civil. Desde o projeto até a obra, sem perder de vista o contexto e o sistema econômico da nossa sociedade, a indústria da construção é responsável por parte considerável da energia consumida mundialmente. Para interferir em tal realidade é necessário expandir as frentes de atuação, questionando qual o lugar da construção civil em nossa sociedade.
O conceito de neutralidade em carbono trata de cancelar ou negativar a quantidade de gases estufa produzido por atividades humanas, reduzindo as emissões existentes de dióxido de carbono e aplicando métodos de absorção desses gases na atmosfera. Ao longo dos últimos anos, esse conceito foi incorporado em algumas práticas de arquitetura, principalmente em grandes projetos corporativos, localizados majoritariamente em cidades mais abastadas pelo mundo, o que gerou um desenvolvimento de tecnologias, ferramentas e conhecimento que coloca a arquitetura neutra em carbono em evidência.
Apesar de ser um amplo debate, a arquitetura neutra em carbono tende a aparecer, principalmente, a partir de duas frentes na discussão da prática arquitetônica: estratégias de projeto e tecnologia de construção. Ela busca reduzir o impacto ao meio ambiente a partir do consumo mínimo de seu entorno e gerando o mínimo de resíduos possível. Para tanto, os projetos costumam prever estratégias que contemplem essa dinâmica, por exemplo, reduzindo a necessidade de ar condicionado a partir de soluções projetuais passivas, que usam de ventilação cruzada natural e da inércia térmica dos materiais. Além das estratégias passivas de projeto, tecnologias como a autossuficiência energética, que consiste na produção do que é necessário a partir de equipamentos eólicos ou a solares, ou ainda a retenção e o aproveitamento da água da chuva são também amplamente exploradas nos projetos que visam a neutralidade em carbono.
Enquanto essas estratégias se voltam para a manutenção e vida útil dos edifícios, é importante ressaltar que dos 40% do consumo de energia mundial vinculado à construção civil, 80% diz respeito ao beneficiamento, à produção e ao transporte de materiais para as obras. Isso significa que, para além do reaproveitamento de recursos e da otimização energética, uma importante estratégia da arquitetura neutra consiste no mapeamento da cadeia produtiva da construção civil, tendo em vista a emissão de gases estufa e a proposição de soluções alternativas dentro das escalas possíveis, seja a partir da alteração da técnica construtiva, priorizando materiais locais e técnicas vernaculares, seja a partir do consumo local possível, buscando fornecedores e trabalhadores de locais próximos ao território, economizando circuitos com combustíveis fósseis, por exemplo.
É importante ressaltar, porém, que a construção civil é uma das principais atividades econômicas do mundo, tendo um importante papel no emprego de pessoas e na movimentação de recursos e em diversos momentos representou uma importante aliada na recuperação econômica em meio a crises. Ao mesmo tempo, após a revolução industrial, a construção civil incorporou uma lógica que transformou toda a cadeia produtiva na busca por eficiência e velocidade, não somente nos canteiros de obras, mas também na forma de extração e transformação dos materiais naturais, em detrimento do meio ambiente e das relações de trabalho. Hoje, apesar dos muitos esforços e pesquisas, está cada vez mais evidente que essa lógica de produção é incompatível com uma cadeia produtiva neutra em carbono e também com a manutenção da vida como conhecemos hoje no planeta.
Dessa forma, se por um lado os elementos chave da arquitetura neutra estão no planejamento e no projeto, buscando empregar soluções que busquem baixo consumo de energia e baixa emissão de gases estufa em sua cadeia produtiva, considerando todas as etapas, desde a extração da matéria prima até a obra, por outro, essa intervenção é limitada pelas condições sociais da atividade da construção civil em cada contexto. A estandardização da cadeia produtiva, presa a materiais e técnicas altamente impactantes ao meio ambiente, dificulta a busca por alternativas no setor, seja por seu alto custo, dificuldade de mão de obra ou até incompatibilidades logísticas, como a falta de acesso a materiais e tecnologias.
Assim, as discussões sobre arquitetura neutra em carbono precisam incorporar, para além das temáticas de tecnologia e projeto, os debates sobre a cadeia produtiva da construção civil e como o contexto impacta na aceitação e incorporação dessas soluções aos projetos, buscando ampliar o debate e consequentemente sua atuação.
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